São três horas da manhã. Estou ainda acordada. Espalhei o sono porque me deixei levar mais uma vez pelas minhas cogitações. Neste percurso recapitulo tudo para não esquecer nem um detalhe, nem sequer um pormenor. Não quero esquecer, não posso esquecer, não vou esquecer.
Sorrio ao recordar aquelas noites em que me pontapeavas o ventre enquanto ia murmurando palavras doces para te acarinhar. Passava a mão sobre a minha barriga e cantava-te canções de embalar. Sempre adormeci antes de ti, porque tu, meu anjo doce, sempre que me sentias deitada, manifestavas a tua vontade, com imensos pontapés. Como te mexias! E como sorrio ainda hoje ao recordar como me batias. Parecias furiosa por eu ter de dormir enquanto ainda querias brincadeira, e desafiavas-me com os teus movimentos. Mas derrotada pelo cansaço, deixava-me embalar pelos teus pontapés. Sinto saudades desses dias.
Rememoro os dias em que escolhia a roupa que vestirias quando viesses ao mundo e experimentava imaginar o teu futuro. Sempre que tentava adivinhar a tua carita, aparecias-me como um ser celestial de tez branca como a neve, levemente rosada nas faces, e uns olhitos brilhantes. A boca? Encarnada. Como um moranguinho maduro acabado de colher. Um bebé rechonchudo e lindo por demais.
Mesmo sem teres vindo a este mundo meu amor, já te amo e, tenho vontade de te mimar. Anseio pelo dia em que te vou ter nos meus braços, sentir o calor do teu frágil corpito, tal como agora sentes o meu, e pedir-te que me embales uma e outra vez com os teus pezitos a marcar presença na minha barriga.
Deitada na cama, a meu lado, dormes profundamente e ainda hoje, contigo a dormir, sinto o teu corpo que procura o meu. Passado este tempo todo atiras-me com uma perna ou um braço, uma e outra vez repetidamente, como para te certificares que estou mesmo ali do teu lado. Então suspiras e voltas para os teus sonhos, respirando tranquilidade e dormindo profundamente.
Procuro respirar a paz que provém de ti para guardar as minhas recordações numa caixinha, algures dentro de mim. Num piscar de olhos vejo a minha entrada urgente na sala de operações, no dia em que nasceste, meu tesouro. Fiquei com medo por ver chegada a hora, antecipada pela tua pressa em nascer. Sinto uma outra vez as lágrimas que brotam dos meus olhos e me rolam pela cara, desfazendo-se na maca que me transporta para um futuro incerto. Vens cedo minha princesa, espero-te mas ainda não é a hora. Seja o que Deus quiser.
Lavada em lágrimas dirijo as minhas preces à minha mãe do Céu – a minha única companhia dessa hora – e peço-lhe que cuide de ti caso eu não possa estar contigo. Elevo meu pensamento à Virgem Maria e entrego-te aos seus cuidados.
27 de Dezembro de 1998, 21.30h. Acordo ao som de palavras que dizem que tenho uma menina linda.
-Está na hora de acordar.
Apalpo o meu corpo para me certificar que não estou a sonhar. Então dou-me conta das dores horríveis que sinto. Acordei com a sensação de que tinha sido atropelada. O corpo afundado na maca mas a cabeça a flutuar. Peço para te ver mas não me deixam. Que estas bem mas foste para a neonatologia e estas dentro de uma incubadora.
-Amanha se puderes andar, já podes vê-la!
Foram momentos angustiantes meu amor. Mas tudo valeu a pena, e de bom grado voltava a passar pelo mesmo só para te ter.
Apago a luz e forço-me a dormir. Consinto que me assole mais um flash da memória e com prazer adormeço sorrindo, embalada por uma das tuas primeiras frases completas. A minha favorita:
- Amo-te muito mamã!