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09/08/09

Cidade Mágica


Naquela cidade, os sonhos vinham pelo mar em forma de ondas e chegavam sempre à tarde, na hora mágica.
Só a lua se deu conta que naquela hora mágica, ela caminhava nua pela praia e ele caminhava atordoado na areia à procura dela.
Eles amaram-se com sofreguidão. Os corpos suados, marcados pelo desejo bem perto do mar. O mar adentrou os corpos ressaltados perpetuando a sua maresia.
Amaram-se com o corpo lavado, salgado pela embriaguez do mar. E pela noite dentro foram-se amando debaixo de chuva e só o mar abria os braços para envolve-los na esperança de deixar as suas marcas.
As brumas embatiam nos corpos sôfregos que bramavam sussurros e gemidos de prazer.
Molhados pela chuva, salgados pelo mar, dois corpos se amaram, enrolados na areia e banhados pelo luar.

Naquela cidade, os sonhos vinham do mar e os seus sussurros mágicos enfeitiçavam a areia.

Mas é claro que naquela cidade era tudo bom demais para ser verdade...

A escuridão abraçava com ternura sob o pálido reflexo da lua aqueles amantes furiosos e sedentos do mar que os enfeitiçara. Após a troca de corpo, presenciaram algo que não tinham experimentado antes...o vazio profundo do mesmo mar que os acolhera em vagas intensas a maré descia lânguida e com ela trazia a realidade que se escondia dentro deles.

Ela olhou-o nos olhos com o seu olhar de felina incitando-o a repetir. Dos seus lábios brotavam ainda pequenas marcas do desejo consumado e não saciado.
A ânsia apoderava-se dela. E se ele não voltar amanhã, pensava.
Não, não pode ser. Tenho de o ter outra vez.
Ó mar salgado, que me vestes nas noites de luar, atira-me as tuas ondas e deixa-me sentir mais e mais uma vez esse teu gosto.

E nas areias batidas pelo mar como se a mão esquerda da Criação ouvisse os seus apelos o mar voltou a moldar o homem que desejava. Ela, acolheu-o em seus braços, mas antes o mar feiticeiro exigiu um pacto que selava um desígnio sobrenatural.
- Por agora deixo-vos entregues ao teu apelo, sussurrou o mar. Na próxima maré eu virei e tu me concederás o meu tributo.

Ela estremeceu de pavor, mas o desejo que sentia por aquele homem sobrepunha-se a todo o receio do que o mar lhe viesse a exigir.
Entregou-se aos braços daquele ser fenomenal, sem recear e sem questionar qual seria o tributo a pagar por mais um desejo concedido.
As bocas ávidas uniram-se numa valsa compulsiva sem fim. O corpo másculo dele fazia pressão sobre o dela, que deitada na areia se deixava embalar pela doce e suave melodia dos sussurros dele.
E num intenso espasmo de libertação os dois corpos fundiram-se como um só. A magia que emanava de tal união nessa noite frutificou. O mar que assistia sereno á comunhão sorria em ondas de espuma que os banhava em salgados beijos de ternura e expectativa.
Na madrugada o mar sussurrou á mulher saciada e disse-lhe:
- Tens em ti o fruto do amor concebido por nós e esse fruto será um ser como nunca existiu antes. Um dia quando ele estiver pronto virei reclamá-lo e tu Mulher o libertarás dos teus laços esse é o teu tributo.
A mulher concordou mas tinha outros planos...


A lua, que agora se recolhia, continuava a observá-los num tom pálido semeando pela praia uma luz esvanecida, como se atemorizasse perante a imposição do mar.
Ela, deixou a praia sem se voltar para trás. Não o podia fazer pois no seu olhar adejava um brilho, um misto de prazer e de confiança.
Esperemos para ver se assim será, pensou para com os seus botões.
Ele, agora taciturno, contemplava o seu andar descontraído pela praia. Aquele movimento de ancas que tanto o seduzia e que muito provavelmente lhe poderia tirar mais do que alguma vez lhe tinha dado.
- “Voltas á hora mágica?”- perguntou ele.
Mas ela já não ouviu. Ela só pensava no fruto que carregava dentro de si e como havia de fugir á injunção do mar.
Veremos se me roubarás o meu sonho, dizia para consigo. Veremos….
E tal como fora concebido para uma noite mágica o mar reclamou-o e nas ondas de paixão o Homem voltou a transformar-se em areia, ela voltou-se por um momento contemplando-o com um remorso de pecado original e as areias batidas pelo mar serpentearam de volta ao leito nupcial. Na cidade o despertar súbito iniciava-se dando lugar ao sol que despontava despedindo-se das cascatas de néon e luzes artificiais, expondo a urbe á sua cruel luz e que tudo revelava como uma película diáfana que encobria e iludia quem lá vivia. Ela caminhava por jardins de cimento e torres de vidro os seus passos guiaram-na á única casa que resistia ao torpor cinzento que envolvia a cidade para lá dos limites do néon ilusionista. A casa da Colina Branca acolhia-a no seu aconchego...

Na casa da Colina Branca, a feiticeira esperava por ela. Ninguém sabia a sua idade. Já lá vivia desde que a cidade era cidade e os habitantes apelidaram-na assim por ter sempre resolução para todos os males.
Diz o povo que nas noites de lua cheia ela se dedica a rituais de magia, só voltando a casa quando a lua se esconde cedendo o seu lugar ao sol.
O que é certo é que a feiticeira sabia sempre tudo e nunca negara ajuda a quem recorreu a sua sabedoria.
- Esperava a tua chegada - disse a feiticeira!
Levantou-se a abriu a porta da casa. Ela seguiu-a em silêncio.
Aisha, aceitou uma chávena de chá que a feiticeira lhe estendeu.
- Parece que estas a precisar de um banho e de repouso - disse a feiticeira.
Aisha ia começar a falar mas a feiticeira interrompeu-a.
- Agora não! – Disse num tom firme. Faz o que te digo e mais logo contas-me tudo.
Ela obedeceu. Em silêncio deixou a cozinha e dirigiu-se ao quarto que a feiticeira havia cuidadosamente preparado para ela.
Encheu a banheira com água morna e as ervas de cheiro que a velhota tinha deixado ali. Cheirou o odor que emanava da sua pele uma última vez antes de se banhar.

O cheiro nacarado que a sua pele emanava recordava-a dos breves mas intensos momentos junto ao mar. O sabor salgado ainda lhe molhava a boca e o corpo mas dentro de si sentia já o corpo a transformar-se. Quando o seu espírito começou a ausentar-se dentro da cálida água do banho de ervas caiu num profundo torpor. A infusão entrava pelos poros do seu ser e o espírito libidinoso deu lugar a um sono agitado por premonições e visões fortes...uma voz ecoava no seu ser..."Filha, tu és fruto do mesmo mar que te possuiu, sou Rhiannon tua Mãe, deixei-te a cargo da Pedra Branca e tu estás a cumprir um destino que te foi designado antes dos tempos...procura o Adamon o Guardador, terás de pronunciar o nome dele 3 vezes antes do Sol se pôr, pede-lhe um conselho e escuta-o...agora tenho de ir...o mar é o meu carcereiro e teu Pai, tal como agora foi teu amante..."
Aisha, acordou com o eco surdo das palavras sussurradas ao ouvido. Tremia sem saber se o facto se devia a água do banho ter arrefecido ou se pela revelação que lhe fora feita em sonho. Rhiannon! A mãe que ela nunca chegou a conhecer, mas á qual estava ligada com uma marca de nascença na parte de trás do pescoço. Um sinal com a forma de três luas unidas
Pedra Branca dissera-lhe que aquela era a herança de sua mãe.
Inconscientemente acariciou o pescoço como se assim pudesse mostrar á sua mãe o seu afecto.
O cansaço acudia agora ao seu corpo. Lembrou-se das palavras de sua mãe no sonho: “antes do sol se pôr…Adamon… o nome dele 3 vezes”.
Sem se dar conta caiu adormecida.
Quando acordou o sol já ia alto e a feiticeira esperava por ela na cozinha.
Em silêncio, indicou-lhe a refeição pousada em cima da mesa.
Enquanto Ela comia a feiticeira dirigiu-se a um lado da divisão e numa linguagem que Ela não compreendia e ao mesmo tempo lhe parecia familiar, entoou um cântico


A chuva começou a cair e com ela trazia um odor conhecido do mar , ela saboreava a refeição e o cântico de Pedra Branca ecoava num sussurro que contrastava com bater da chuva no telhado, e num frémito de algo que estava a acontecer, ela assomou á porta e viu um arco-iris com cores nunca antes vistas no céu...


O cheiro da terra húmida acabada de regar pela chuva entranhava-se nas suas narinas produzindo um efeito balsâmico sobre Ela. Cativada pelas as cores do arco-iris, desceu as escadas até ao jardim e debaixo da chuva deteve-se contemplando a sua magnificência.
Mãe - gritou - não me abandones por favor. Rhiannon – guia-me na minha missão.

Na soleira da porta, Pedra Branca permanecia em silencio olhando para Ela.
Ao fim de um tempo disse-lhe:
- Anda rapariga. Entra! Precisamos de falar. Temos muito que fazer antes do dia acabar.

Pedra Branca com um ar compassivo sentou-a, o incenso entranhava o ar, a ela começou a relaxar e como num transe hipnótico Pedra Branca falou:
-Tu és a única esperança, és a portadora de uma Luz única, fruto de uma união que se irá revelar importante para todos nós, o teu ventre prenhe carrega o fruto dessa esperança, tudo o que vês e tudo o que te rodeia são apenas ilusões criadas por um poder que deixou de acreditar em si mesmo, a tua Mãe é prisioneira desse mesmo poder, o único legado foi a tua concepção , serás a redenção de todos Nós, mas o caminho a percorrer será dificil e nem eu nem ninguém pode prever o desfecho, só tu poderás traçar com novas linhas o que nos espera o fardo é pesado e sem recompensa no fim, estarás ciente do teu destino?"


Ela não conseguiu responder. O cheiro intenso do incenso arreigado nas suas narinas despertou-lhe a visão, e Ela pode ver tudo o que tinha acontecido á sua mãe.

Em tempos antigos, o Cornudo, era o Confortador. Mas os homens o conheciam como o terrível Senhor das Sombras, solitário, inflexível e justo. Mas a Deusa resolveria todos os mistérios, até mesmo o mistério da morte; e assim ela viajou ao Mundo Subterrâneo. O Guardião dos Portais a desafiou...
"...Tira tuas vestes, põe de lado as tuas jóias, pois nada podes trazer contigo ao interior desta nossa terra."
Assim a Deusa despojou-se de suas vestes e de suas jóias, e foi amarrada, como todos os vivos que buscam ingressar nos domínios da Morte.
Tal era a beleza dela, que a própria Morte se ajoelhou e depositou sua espada e coroa aos seus pés... E beijou seus pés, dizendo:
"Abençoados sejam teus pés, que te trouxeram por estes caminhos. Permanece comigo, mas deixa que eu ponha minhas mãos frias sobre o teu coração.

" E ela respondeu: "Eu não te amo. Por que fazes todas as coisas que amo e nas quais me comprazo fenecerem e morrerem?"
"Senhora" – respondeu a Morte – "trata-se da idade e da fatalidade, contra as quais sou impotente. A idade, o envelhecimento, leva todas as coisas a definharem; mas, quando os homens morrem ao desfecho de seu tempo, concedo-lhes repouso, paz e força para que possam retornar. Mas tu, tu és linda. Não retornes, permanece comigo."
Mas a Deusa respondeu: "Eu não te amo.
" E então disse a Morte: "Se não recebem minhas mãos sobre seu coração, tens que te curvar ao açoite da Morte."
"É a fatalidade, melhor assim..." – ela disse e se ajoelhou. E a Morte a açoitou brandamente.

Ela, despertou do transe e chorou convulsivamente.

"Tens de partir já", disse Pedra Branca, "levarás contigo esse cristal..."e do das suas mãos surgiu um cristal ígneo com a forma de uma estrela -do-mar,"quando sentires que precisas de ajuda segura-o com ambas as mãos e chamarás o Caminhante pelo seu verdadeiro Nome, Amarië é o seu nome e o pronunciarás três vezes, e nas brumas de Cuívernnián a Estrada Sem Fim ele virá em teu auxilio, mas certifica-te de uma coisa, se o chamares só a ele deverás obedecer até ao momento em que tu própria serás senhora do teu destino, aprende e escuta com ele e nunca mas nunca te apaixones por ele.."

"Senhora falas de Adamon?"
"Sim falo mas só poderás tratá-lo assim se ele aceitar o teu pedido de ajuda, Rhiannon foi sua amante , mas tu tens no teu ventre um filho esperado e será a Luz, agora vamos preparar-te para partires em breve e explicar-te-ei tudo o que precisas de saber e para onde irás."
Ela olhou para Pedra Branca e viu nos seus olhos um brilho de ternura e amor tão grande ao ouvir o nome de Adamon e a lágrimas que caiam sobre o rosto ao tocarem no chão em pequenos cristais de sal se transformaram..."

-Senhora, porque choras? - retorquiu Ela. Acaso sabes algo que não poderás confiar-me, ou saberás os tormentos que me esperam ? Dizei-me Senhora. Todos estes anos guardaste o segredo da minha mãe, deixando-me livre para agir por minha vontade e agora eis que me é revelado não só a minha origem como também o futuro não só meu mas também dela. Que herança é esta que carrego Pedra Branca? O que está por detrás deste símbolo que trago no pescoço? Que mistério reside nele?
Com um ar de pavor Ela suplicou : Peço-vos Senhora, tende piedade de mim e revelai-me tudo o que me foi ocultado. Humildemente vos rogo que me prepareis para a jornada que tenho de enfrentar.

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