Tenho uma história para contar. É verdadeira e passou-se há muitos anos atrás. Contudo, guardo ainda na memória a lição que me foi dada, e procuro dá-la na mesma proporção e medida da que me foi dada a mim. Se assim não fosse, não faria sentido.
Admito porém que nas horas em que me encontro mais alterada, nem sempre me lembro deste ensinamento. Afinal, sou simplesmente humana!
Eu devia ter os meus 18 anos, à volta disso. Trabalhava como empregada de mesa num restaurante. Nessa profissão, como noutra qualquer, conheci muita gente. Algumas simpáticas e extrovertidas, outras nem por isso. Com a clientela certinha quase diariamente para almoçar, é normal que se acabe por criar empatia com determinadas pessoas, que chamam a nossa atenção na maioria das vezes, por um simples e minúsculo pormenor.
Havia um casal de namorados que ia jantar lá todos os dias. Recordo-me do nome do senhor - o Rui. O nome dela nunca soube, nem nunca olharia para mim, tão fina e elegante era a senhora. O Rui era diferente, sempre atencioso e educado. Sempre atento ao mais ínfimo pormenor e era aquele tipo de pessoa como nós costumamos dizer, daqueles que têm carisma. Era assim o Rui, um autentico “gentleman”.
Um dia, o Rui apareceu sozinho para jantar. Perguntei-lhe se estava à espera da senhora. Ele disse que não. Nesse dia, o Rui não parava de me fitar em silêncio e recordo-me dele me ter perguntado se estava tudo bem comigo, pois que muitos suspiros mudos ele estava a escutar.
Senti-me aparvalhada, como é óbvio e apenas me ocorreu dizer que estava tudo bem, apesar do meu olhar me trair e gritar que eu mentia.
O Rui demorou imenso tempo a jantar e foi ficando até a hora de fechar o restaurante.
Educadamente, perguntou-me como ia eu para casa aquela hora tardia da noite. Se alguém me ia esperar. Comecei a estranhar e a desconfiar. De repente senti pânico.
Porquê tanta pergunta e tanta preocupação sobre mim? A minha mente gritava que o Rui era gente boa, mas o peito tinha o coração aos saltos assustado e com medo.
Fui obrigada a aceitar a boleia dele para casa. Tive medo e sentia-me desconfortável e piorou este sentimento quando o Rui me disse que antes de me levar a casa, íamos a um sítio especial, e que ele tinha de me levar lá.
Eu estava em pânico. O terror de me acontecer algo às mãos de alguém por quem durante meses tive na mais alta consideração, deixou-me a tremer da cabeça aos pés.
Durante todo o caminho segui muda e calada pensando apenas numa solução para fugir em caso de perigo.
Sei que o Rui foi falando da vida dele, mas confesso que o medo que eu sentia era tanto que não me recordo de nada do que ele disse.
Ao fim de 15 minutos de viagem, estacionou o carro mesmo em frente á praia.
Mau! Disse para os meus botões…
- Podes sair do carro, por favor? – Disse ele.
- Como? Está frio lá fora! - Disse eu tentando ganhar tempo.
O Rui saiu do carro e eu segui-o. Ele estava tranquilo, eu, apavorada. Ao aproximar-se dum muro que separa a areia do passeio, ele deitou-se de barriga para o ar, ficando de olhos fixos no céu.
- Deita-te aqui, disse ele.
Desconfiada, mas com medo dele caso não obedecesse, acabei por me deitar o mais afastado dele que pude. Na minha cabeça rodopiavam mil e uma ideias sobre as intenções dele, que me deixavam tonta.
Acabei por fitar também as estrelas. Apesar do vento frio o céu estava estrelado e a sua luz espelhava-se nos nossos rostos. Ao longe ouviam-se as ondas do mar que teimavam em bater na areia.
O peso do silêncio que se instalou foi cortado pela voz do Rui.
- Eu não quero saber quais são os teus problemas porque os problemas deixam-nos sempre tristes. Não quero saber da tua vida mas preocupa-me o que possas fazer com ela. Peço-te que olhes bem de frente as estrelas, que imagines e calcules bem o tamanho de uma delas para poderes comparar os teus problemas com o tamanho dessa estrela.
Comecei e fazer a comparação. Quanto mais me apercebia do tamanho da estrela que eu escolhi, mais pequenos me pareciam os meus problemas. Mantive-me em silêncio mas devo ter soltado um suspiro de alívio pois o Rui continuou:
- Tu és maior que os teus problemas e a estrela é maior do que tu. Agora compara a estrela com o universo. È infinito, não é? E o que representas tu perante este universo carregado de milhões de estrelas e planetas?
Foi quando me apercebi da dimensão real da minha preocupação.
Apesar de na minha mente se ter formado a ideia de que eu não passo de um mísero grão de areia comparada com o universo, nesse dia, o Rui mostrou-me que mesmo assim eu sou maior que os meus problemas, e esses mesmos problemas, por maiores que eles sejam, não são nada quando comparados com a grandeza do infinito.
Compete-me a mim, este simples grão de areia manter os problemas no seu devido lugar.
Naquela noite voltei a casa mais leve e mais aliviada pois aprendi que nem tudo o que parece, é!! Aprendi ainda a confiar um pouco mais nos ilustres desconhecidos que têm a capacidade de ler um simples olhar.
Naquela noite, regressei a casa mais rica. E o Rui nunca mais se ofereceu para me levar a casa!!
Maria Escritos
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gostei do ensinamento,da história muito agradável de ler,e da escrita!
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